PRESIDENCIAIS 2019 – DSP: “Eu sou capaz de garantir estabilidade à Guiné-Bissau”

POR: António Pimenta | Bissau

Domingos Simões Pereira, que representa o PAIGC, acredita ter as condições criadas para uma vitória na segunda volta das eleições na Guiné-Bissau, nas quais tem como concorrente Umaro Sissoco Embaló, candidato do MADEM-G15. A votação decorre no dia 29. Até lá, Domingos Pereira vai procurar manter a interacção com o povo, reafirmando-lhe o “projecto viável, capaz de voltar a reunir a Nação guineense”

Domingos Simões Pereira: “Eu sou capaz de garantir a estabilidade à Guiné-Bissau”

Tem criadas as condições para a vitória na segunda volta?

Quem concorre em nome ou em representação do PAIGC e consegue aglutinar outros apoios tem a obrigação de encarar a campanha nesta perspectiva. Mas as coisas não se resumem só a isso. Tudo tem a ver com a adesão do povo aos nossos projectos. Da interacção que tive com o povo, na primeira volta, não me restam dúvidas de que o povo sabe que nós somos portadores de um projecto viável, capaz de voltar a reunir a Nação guineense e projectar um futuro melhor para o nosso povo. Acredito que existem condições objectivas para uma vitória na segunda volta.

Há informações de que o voto étnico e religioso poderá continuar a pender contra si?

Se houver voto étnico, nunca será favorável ao PAIGC. Nós apresentamo-nos com representatividade nacional, com todas as cores, todas as religiões e todas as etnias.

De uma forma geral, como avalia a situação na Guiné-Bissau?

Acredito no povo guineense … acredito num amanhã positivo para a Guiné-Bissau. Sei que há muitas forças que não querem isso. Quando um país se descobre no meio de uma instabilidade é porque existe muita gente que se acomodou, acreditando que a instabilidade a favorece. Quando muita gente enriquece num período de instabilidade, tem medo da estabilidade. A estabilidade significa ordem, disciplina, ascensão por mérito e isso é que muita gente não quer e que, por causa disso, vai tentar pôr tudo em causa. Devido à degradação dos níveis de credibilidade da Administração Pública, o próprio guineense começou a não acreditar em si, a acreditar que estamos associados a alguma maldição. Mas digo que não! Somos iguais a outras nações. O que tem faltado neste país são lideranças, falta de visão estratégica para dar direcção ao país.

Há quem diga que o tráfico de drogas e interesses hegemónicos representam, na prática, o grande problema da Guiné-Bissau…

Todos esses factores contribuem para o clima de instabilidade que o país atravessa. Durante demasiado tempo, os guineenses acreditaram que a sua ascensão ou afirmação dependia da boa vontade dos outros. Nós estamos num mundo de competição. Quem tem fronteiras connosco, sobretudo terrestres, vai tentar tirar proveito desta vantagem geográfica. E nós não podemos ficar à espera que os outros sejam simpáticos connosco. Temos que ser capazes de defender os nossos interesses. Considero normal e bastante boas as relações com os nossos vizinhos mais directos. Mas não deixo de dizer que temos de defender os nossos interesses. E compreendendo que eles também defendam os deles.

Existem problemas com os vizinhos?

O problema neste momento é termos um Presidente da República que não conhece rigorosamente nada em relação ao nosso potencial e àquilo que podem ser consideradas as nossas vantagens comparativas. Continuar com a política de joelho no chão e mão estendida a pedir a doação dos nossos vizinhos já não funciona, porque, nestes casos, os vizinhos dão apenas uma mínima porção daquilo que tiram.

E no caso concreto da Constituição?

Pode ser uma das razões, mas não a causa. Tenho dito insistentemente, citando o exemplo dos EUA, que a Carta Magna não é um documento perfeito. Foi escrito por homens e sujeita a falhas. Os fundadores daquilo que são hoje os Estados Unidos da América disseram que, quando fizeram a Constituição, não tinham a intenção de fazer um documento perfeito. E não foi por desconhecimento. Queriam deixar aos homens a possibilidade de irem melhorando.

Pode explicar melhor?

Não é verdade que a revisão da constituição vai significar o fim dos problemas. Nos Estados Unidos, quando há um bloqueio à aprovação do orçamento, a sociedade está em condições de condenar ou repudiar o acto. Nós, aqui, o Presidente da República vangloria-se de ter provocado o bloqueio e de ter paralisado o país.

Por outras palavras, discorda da alteração da Constituição?

Não estou a dizer que não haja necessidade de revisão da Constituição. O que defendo é que devemos afastar-nos desta simplificação excessiva da Constituição, considerando-a uma panaceia para todos os males.

Continua por responder à minha questão.

Existem duas coisas na nossa Constituição que devem ser revistas. A primeira é tornar o nosso texto constitucional coerente. Feito num sistema de semi-presidencialismo de pendor parlamentar, onde o Presidente da República não tenha o mínimo de possibilidades de interferir nas acções do poder executivo.

Ostentação e tráfico de drogas constaram entre as críticas mais ouvidas durante a campanha para a primeira volta.

Durante esse período ou em vésperas, a Polícia Judiciária apreendeu importantes carregamentos de drogas. As pessoas envolvidas foram julgadas e condenadas. A Polícia Judiciária continua a fazer outras investigações, que, além dos responsáveis materiais, deveriam incluir outras pessoas ligadas ao tráfico.

Como caracteriza o problema das drogas na Guiné-Bissau?

É preocupante, sobretudo, devido ao nível das pessoas que envolve. Existem casos em que, depois da apreensão, líderes de partidos políticos dirigem-se à Polícia para questionar a legalidade da detenção. Outros marcam audiência com a ministra da Justiça para exigir a liberalização do material apreendido, por considerarem que a apreensão não obedeceu aos ditames previstos na lei. Outros querem impor a proibição da incineração das drogas. Algumas viaturas associadas ao tráfico de drogas têm como proprietários, na maioria, altos responsáveis políticos, que vão à Polícia de Investigação exigir a liberalização, alegando inocência no caso, o que, a priori, inocenta o envolvimento do veículo.

Como é feita a identificação dos políticos envolvidos?

Quando alguém tem 10 carros, identifica-se com 10 mulheres em 10 países diferentes, viaja em aviões privados, sem passar pelos controlos, porque evoca imunidades, pode estar associado a outras situações. Portanto, o combate ao crime organizado e ao narcotráfico deve começar por aí.

O que falta para controlar a situação?

Acho que a primeira medida seria colocar na Administração Pública e nos cargos de decisão pessoas idóneas, cujo registo criminal não passe apenas pelo “nada consta” que aparece no documento emitido pelo Ministério da Justiça. Antes do registo criminal, penso que é a sociedade que tem de avaliar as pessoas que vão funcionar nas administrações e ocupar os cargos públicos.

Podemos considerar isso a solução?

Não é propriamente a solução, mas pode ser uma via. É preciso criar as condições para assegurar que as pessoas que chegam aos postos cimeiros da administração estejam livres de qualquer suspeita. Segundo, é preciso ter um quadro legal capaz de criminalizar todos os casos e as suas causas. Seja quem for, ninguém deve utilizar, sistematicamente, a imunidade para fugir ao controlo das autoridades. Pessoalmente, nunca precisei disso e penso que ninguém deveria precisar. Mesmo na qualidade de Primeiro-Ministro, nunca viajei passando pelo salão de honra. Se dependesse de mim, as imunidades diplomáticas e parlamentares não seriam aplicadas em caso de flagrante delito.

Estará o vosso Ministério da Justiça a pensar em pedir apoio internacional para o combate a esses crimes?

Não só concordo como apoio, até porque essa iniciativa é do meu Governo. E isso não seria um caso inédito. Existem vários exemplos pelo mundo fora. Em Timor Leste, o sistema judicial esteve controlado por peritos expatriados, incluindo guineenses. Acho que a Guiné-Bissau precisa de passar por um período de transição a vários níveis, com destaque para o sector da justiça.

Um certificado de incompetência aos funcionários guineenses?
Não, não é isso! Penso que fazer uma inspecção ao nosso sistema de justiça não deve incomodar quem respeita a ordem. No fundo, a inspecção vai fazer uma avaliação neutra e equidistante de situações diversas. Os resultados dos trabalhos vão à apreciação dos órgãos de soberania, que têm a competência para tomar as decisões que se impuserem.

Mais isso inclui o tratamento de outros casos de particular complexidade, como, por exemplo, os crimes transfronteiriços?

Sim e isso é outra questão. Temos muitos crimes de sangue, que não estão devidamente esclarecidos ou concluídos. Temos os casos de Nino Vieira, Hélder Proença, Daciro Dabó, Yaya Dabó, Baptista Tagme Na Wai e muitos outros que continuam por esclarecer. Por aquilo que chegou ao meu conhecimento, muitas testemunhas nestes casos, que até manifestaram disponibilidade em colaborar com as autoridades, sentiram-se intimidadas. Por estarem a revelar algo que podia tocar outras pessoas, mas, principalmente, por não acreditarem na neutralidade do juiz de instrução que os estava a ouvir. Quando se chega a este ponto é perfeitamente normal que, para proteger a testemunha e credibilizar o processo, se pedisse a intervenção de procuradores expatriados.

O que precisa a Guiné-Bissau para pôr fim à instabilidade política reinante?

Acho que a solução passa pela eleição, para os cargos públicos e órgãos de soberania, de pessoas comprometidas com o império da lei. A democracia tem vários ingredientes, mas o maior, entre eles, reside no império da lei. Se existe lei, deve ser exercida e respeitada.

Até que ponto é o homem certo para o momento actual na Guiné-Bissau?

A democracia é a limitação dos poderes para facilitar os equilíbrios internos. Quando um homem ou mulher reclama mais poderes, além dos que tem direito, não entende a essência da democracia. Concordo que o sistema presidencialista é sempre mais exigente e mais complexo. Aceito que em África há uma tendência de dizer, “vamos simplificar”, o que significa a outorga, a uma única pessoa, de todas as competências para regular a nossa vida em sociedade. Talvez para alguns isso funcione, mas eu acredito que o semi-presidencialismo também.

Com a sua eleição, garante aos guineenses a estabilidade política que há muito anseiam?

Comigo na Presidência da República, sim, absolutamente! Eu sou capaz de garantir esta estabilidade.

O que mais o marcou no desempenho das funções como Primeiro-Ministro?

Como sabe, o Presidente assumiu-se como uma oposição ao Governo e isso pode dizer tudo.

Acha que a Guiné-Bissau estaria em condições de reconquistar as promessas de apoio que conseguiu em 2015?
Com a minha eleição à Presidência da República, tenho a certeza, estaria em condições de resgatar esses projectos e reconquistar a simpatia dos principais doadores internacionais.

Depois da vitória do PAIGC, nas eleições legislativas de 2014, o Senhor foi afastado do cargo de Primeiro-Ministro, numa altura em que ia apenas começar o mandato. Na actual legislatura, o Presidente cessante terá rejeitado a sua indicação como chefe do Executivo…

É medo, o Presidente cessante tem um medo feroz de mim, que nem ele próprio conhece as razões. O Presidente da República, quando se viu no cargo, sem saber como lá chegou, achou que devia tratar de tudo para nunca mais sair e a primeira coisa que fez, para atingir os seus objectivos, foi atacar quem lá o colocou.

Em vésperas das eleições presidenciais, em 2014, a Procuradoria da República quase impugnou a candidatura de José Mário Vaz?

A candidatura de José Mário Vaz foi um lapso do sistema de justiça da Guiné-Bissau, porque se o sistema de justiça funcionasse, ele nunca seria Presidente da República. Antes das eleições, José Mário Vaz foi detido sob suspeita de desvio de valores importantes. Na altura, um dos procuradores adjuntos entendeu que não assinou a acta de validação da detenção, porque achou que a modalidade administrativa observada não estava completamente correcta. E isso foi mal interpretado pelo juiz de instrução que deduziu que esse mesmo procurador estaria a pôr reticências em relação à transparência do processo. Vai daí o processo precipitou-se de tal forma que o Ministério da Justiça acabou por dar um registo criminal com o “nada consta” como impeditivo à sua candidatura.

Acha que existe a possibilidade de reabertura destes processos?

Esse processo continuou a andar e foi instruído. Quando o nomeou procurador-geral, o Presidente José Mário Vaz pensou que o Hermenegildo, o mesmo que colocou as reticências ao processo, estaria do seu lado, para dar um apagão ao processo. Mas, surpreendentemente, ele recusou-se a acatar as suas ordens, justificando que teria sido mal entendido, insistindo que o processo devia seguir a tramitação legal.

E como é que o Presidente José Mário Vaz reagiu a essa informação?

Diante a rejeição do procurador, o cidadão José Mário Vaz fez a requisição do processo, alegando que pretendia estudá-lo com o seu advogado. Foi nesta altura que o procurador o informou que o processo já não podia ser mexido, porque já tinha sido lançado. Só não foi chamado por causa das imunidades que goza enquanto Chefe de Estado.

De que crimes está acusado o Presidente cessante?

Tem o caso dos 12 milhões da ajuda de Angola e muitas outras coisas. Ele tem vários assuntos pendentes. Por exemplo, 14 contentores de areia pesada, com 20 toneladas cada, foram retiradas do país, pasme-se, para análises laboratoriais. Temos, também o problema da exportação da madeira. Em todos estes casos, ele aponta o meu envolvimento, quando, na realidade, é ele o principal suspeito.

Como estão as relações entre Angola e a Guiné-Bissau?

Acho as relações muito boas, mas comigo vão ser excelentes. As pessoas que as tentam instrumentalizar e comprometer não conhecem a história destas relações. Eu tive a oportunidade de me encontrar com um dos Chefes de Estado da nossa sub-região, que, na altura, questionava fortemente a presença da Missang na Guiné-Bissau, pretendendo saber como é que um país da África Austral aparece na África Ocidental, a querer ter alguma voz e funções na região.

E qual foi a resposta que deu?

Lembrei-lhe a história comum que existe entre os povos dos dois países. Muita gente não sabe que cidadãos guineenses estiveram na resistência angolana e vice-versa. Há cidadãos angolanos que são combatentes da liberdade da pátria da Guiné-Bissau. O nosso primeiro ministro da Cultura foi Mário Pinto de Andrade, angolano. O embaixador Brito Sozinho esteve a representar o MPLA na Guiné e junto do PAIGC, em Conacry.