JOVENS EMPREENDEDORES “DESILUDIDOS” CLAMAM POR AJUDA DO GOVERNO

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[REPORTAGEM outubro_2020] Os jovens empreendedores guineenses que se sentem desiludidos por falta de apoios do setor bancário nacional e do governo guineense clamam pela ajuda do executivo, de formas a poderem dinamizar as suas produções e emigrar para outros mercados, sobretudo a nível sub-regional, regional e em particular atingir o mercado europeu. O Democrata ouviu alguns jovens empreendedores e discutir as suas iniciativas, bem como o seuenquadramento no mercado nacional e na corrida para a conquista do mercado sub-regional e europeu. Todos foram unânimes em lamentar a falta de apoio da parte dos sucessos executivos da Guiné-Bissau e alegam que o governo nunca disponibilizou uma verba a favor dos empreendedores e muito menos se mostrou preocupado em definir uma política para o desenvolvimento deste setor, com o intuito de desenvolver projetos para apoiar a camada juvenil a montar os seus negócios.

Os jovens empreendedores ouvidos são a empreendedora, Nérida Batista Fonseca que, sem apoio do executivo guineense, teve a ousadia de “invadir” o mercado europeu através de Lisboa (Portugal) e o mercado da Europa de norte por meio da Helsínquia (Finlândia). Nérida usa o famoso tecido de “Pano de Pinte” de diferentes cores e modelos para confecionar os seus produtos, designadamente: Mochilas, bolsas para senhoras, cobertores de cama, roupas e brincos. Oferece ainda o serviço de decoração de eventos, entre outros.

O jovem empreendedor, Yannick Gomes Marques, proprietário da empresa “Chave Inglesa” que, por falta de apoios, decidiu instalar o seu escritório na sua própria mochila.

A empresa “Chave Inglesa”, para além da promoção de eventos culturais e sociais, oferece também serviços de marketing de produtos e entrega domiciliar de produtos.

O serviço de entrega domiciliar é um serviço novo no país e considera-o um pouco constrangedor para a sociedade guineense. Por essa razão, Yannick Gomes Marques teve que fazer um estudo do mercado que o permitiu inserir serviço na sua empresa que, segundo a sua explicação, começou meramente com um caráter de voluntariado.

Outra empreendedora ouvida nesta reportagem foi a estilista, Aurora Espírito Santo Vaz Almeida (Aurora Fashion), que sonha conquistar o mercado internacional e levar a moda africana no auge. A estilista realizou um desfile de moda em Bissau, mas que tinha dimensão internacional. O evento teve a cobertura de uma das televisões privadas do Senegal e mais tarde retransmitido.

NÉRIDA: “PANO DI PINTI TEM UM VALOR PARA ALÉM DAS CERIMÓNIAS FÚNEBRES E CONDECORAÇÕES”

A jovem empreendedora, Nérida Batista Fonseca, disse que se o governo guineense investisse ou fosse participativo nos novos desafios em que a juventude se impõe, a economia nacional teria mais dinâmica e a governação seria desenvolvida com menos números de desemprego juvenil. Acrescentou que existem muitos jovens com ideias brilhantes, mas que por falta de apoios ou fundos para desenvolver as suas atividades, acabam por desmotivar-se.

Neste sentido, a empreendedora enfatizou que os jovens guineenses devem apostar nos seus talentos e ter a ousadia de arriscar e desafiar quaisquer dificuldades, seja com ou sem apoio do governo. Frisou que cada empreendedor deveria esforçar-se e não esperar o governo a todo o tempo, porque as dificuldades existem sempre, por isso “devemos arregaçar as mangas e não deixar de pôr na prática as nossas ideias, o nosso país ainda tem problemas a resolver como o caso da educação, saúde e demais”. ​

Explicou que escolheu o “Pano di Pinte” para a produção de seus artigos, dado que é um dos patrimónios culturais de grande relevância do país, que merece ser promovido, porque “o Pano di Pinte tem um valor além de ser simples tecido guineense que éusado nas cerimónias fúnebres, casamentos ou condecorações”.

Sublinhou que, de alguma forma, o Pano di Pinte deveria ser promovido e realçado o valor que carrega a nível nacional, sobretudo internacionalizá-lo para que seja o produto guineense possa conquistar um lugar de destaque cultural no mundo.

Apelou à sociedade a apostar nas riquezas (produtos) que o país tem em termos culturais, bem como trabalhar afincadamente na sua promoção em todos os setores.

A jovem criadora, que tem a sua própria cadeia de produção com os seus artesões, assegurou que todos os seus trabalhos são produzidos na Guiné-Bissau, de acordo com desenhos dos artigos criados por ela própria que, segundo a sua explanação, engaja muito nas suas confeções para criar mais novidades aos consumidores.

Acrescentou que a sua performance tem a ver com a sua capacidade criativa, bem como a vontade e a determinação que tem de inovar a fim de dar aos clientes uma certa exclusividade,sem esquecer do gosto pelo que o faz.

A empreendedora, que já leva seis anos a trabalhar nesta área, aproveitou a ocasião para esclarecer as dúvidas que a sociedade sempre teve em relação ao seu trabalho, sobretudo sobre as suas criações. Garantiu que tudo que faz vem das suas ideias, cria dizeres para as suas mochilas, bolsas e entre outros produtos feitos em Panos di Pinte.

“Consegui diversificar os artigos. O meu objetivo é aplicar o Pano de Pinte em tudo que é possível aplicar, tento dar o meu melhor para que tudo possa sair com boa qualidade. Tenho atualmente várias solicitações no estrangeiro. Enviar os produtos para o estrangeiro criou-me muito problemas no início, por isso decidi abrir uma loja em Lisboa que possa servir de ponte para outros países, que também solicitam o meu trabalho, nomeadamente: Itália, França, Luxemburgo, Finlândia e entre outros”, contou.

Reconheceu que não é nada fácil criar, na Guiné-Bissau, tanto que já passou por várias dificuldades, uma situação que às vezes cria muitos atrasos, particularmente no que concerne à questão da eletricidade que há algum tempo constituía uma preocupação, como também os assessórios que devem ser usados para a produção dos produtos, porque a maior parte dos mesmos é importada para garantir uma certa qualidade. Criticou também as taxas cobras no aeroporto para a importação e exportação dos produtos que, no seu entender, não ajudam, sem contar com poucos voos disponíveis.

A nível nacional, queixou-se da pouca margem do investimento, tendo elencado as restrições, constrangimentos e a falta de apoios financeiros para esse tipo de trabalho, independentemente se se trata da cultura. Frisou a falta de oportunidades, o que poderia contribuir para o crescimento dos jovens empreendedores em seus negócios.

YANNICK: “CHAVE INGLESA É UMA EMPRESA CUJO GABINETE ESTÁ INSTALADO NA MINHA MOCHILA”

Yannick Gomes Marques Vieira, jovem empreendedor, defendeu a necessidade de o governo criar um registo de todos os empreendedores nacionais, o que permitiria melhor orientação das suas atividades, tendo em conta à diversidade das suas intervenções, mas também evitar que haja duplicação de projetos no país.

Para o jovem empreendedor que oferece o serviço da promoção de eventos, marketing e a entrega domiciliária de produtos, o governo deve negociar com os bancos comerciais a criação deuma linha de crédito para os jovens empreendedores registados a fim de poderem desenvolver os seus trabalhos e servir o país.

O também sociólogo de formação, que começou com a sua empresa “Chave Inglesa” no regime de voluntariado no sentido de conquistar mais confiança dos guineenses, garantiu que atualmente o seu serviço tem uma procura no mercado através de várias solicitações, até a nível internacional, contudo lamenta o fato de os guineenses não estarem acostumados ao serviço de vendas e entrega domiciliar, que é uma das atividades feitas pela empresa Chave Inglesa.

Frisou que a escolha do nome da empresa foi inspirada na capacidade da chave inglesa, que consegue abrir várias portas.

“Optei por investir noutros horizontes de marketing, não fazer a mesma coisa que a Guiné-Bissau está acostumada. Também tem a questão de venda e entrega em domicílios que é um pouco constrangedor para a nossa sociedade. Vi, então que era necessário realizar um estudo para poder inserir esse  serviço da minha empresa e no mercado, que comecei meramente com voluntariado” precisou.

Assegurou que o seu serviço está disponível para responder àsnecessidades dos clientes e desvaloriza o facto de não ter um escritório. Apesar desta situação, o empreendedor guineense sublinhou que “não provoca ineficiência às suas atividades, embora tenha a empresa instalada na mochila, está sempre disponível para receber e a satisfazer o seu público”.

No entendimento de Yannick Vieira, ser empreendedor na Guiné-Bissau, um setor que está na sua fase embrionária, é difícil, sobretudo o saber de antemão que não pode contar com apoios, nem do governo nem do setor privado nem do bancário.

Apelou aos seus colegas empreendedores para não desistirem dos seus sonhos, por mais que enfrentem dificuldades, tendo alertado que a vida de um empreendedor é sempre rodeada de dificuldades, assegurando que, porém um dia os objetivos preconizados serão alcançados.

AURORA FASHION: “SONHO CONQUISTAR MERCADO INTERNACIONAL E PROMOVER A MODA AFRICANA”

Por sua vez, a estilista Aurora Espírito Santo Vaz Almeida disse que na Guiné-Bissau a moda era encarada de outra maneira e que tudo o que vinha do Ocidente tinha mais valor do que aquilo que era produzido localmente, tendo afirmado que foi preciso revolucionar a moda guineense para que hoje as estilistasnacionais possam ser mais procuradas.

Aurora Fashion, como é conhecida no mundo de moda, admitiu que não foi nada fácil mudar a mentalidade das pessoas e convencê-las de que a pessoa pode estar dentro da moda, usando as roupas confecionadas localmente, porque “outrora o objetivo era promover e realçar os tecidos africanos”.

“A minha estratégia para atrair mais clientes ao invés de comprar um vestido para usar nas festas ou noutros eventos, busco uma moda que está na tendência confeciono-a num pano africano com os desenhos próprios com os quais marco a diferença. Foi dessa forma que passei a ganhar mais solicitações”, contou.

A estilista disse que hoje em dia, as noivas já não se preocupam em encomendar vestido para o casamento que e boa parte delas prefere usar mais as roupas africanas.

Contudo, reconhece que ainda falta muito caminho por trilhar para que os guineenses e os africanos, em geral, possam dar mais valor às roupas confecionadas em tecido africano.

A jovem empreendedora, visivelmente satisfeita com as suas conquistas, afirmou que embora os seus serviços tenham estado a ter muita procura no mercado guineense sonha conquistar o mercado internacional e levar a moda africana ao seu ponto mais alto, ao auge. Informou que chegou a realizar um desfile no paíspor solicitação de um grupo dos cidadãos do Senegal. “Foi uma iniciativa de uma televisão privada senegalesa (TFM), que organiza eventos do género no território senegalês, mas decidiu promover o mesmo tipo evento na Guiné-Bissau com cidadãos senegaleses. A partir desse evento solicitam os meus serviçospara organizar desfiles”.

Lamentou o fato de não ter conseguido viajar, em 2019, para Moçambique, onde tomaria parte num evento em que participariam estilistas mulheres de cento e cinquenta (150)países africanos. Mas por falta de meios não conseguiu representar a Guiné-Bissau. Recordou que solicitou o apoio do governo, mas não teve resposta que a garantisse participar.

Aurora Fashion, que também é representante do Projeto “Green Waves” na Guiné-Bissau, uma organização sub-regional que trabalha com mulheres estilistas com o objetivo de usar a moda para consciencializar as mulheres sobre a violência baseada no género, descriminação e casamento prematuro, contou à repórter de O Democrata que foi reconhecida pelas Nações Unidas como jovem empreendedora, em 2016.

PRESIDENTE DE JEDEL-GB CRITICA ELEVADO CUSTO PARA FORMALIZAÇÃO DE EMPRESAS NA GUINÉ-BISSAU

Em reação à preocupação dos jovens empreendedores, a presidente de Fórum de Jovens Empreendedores para o Desenvolvimento Local (JEDEL-GB), Maura Gomes, responsabilizou o governo guineense pelo desenvolvimento moroso do empreendedorismo no país, sobretudo no que concerne às cobranças de elevadas taxas, tanto para outras atividades quanto para a formalização de empresas na Guiné-Bissau. JEDEL-GB é uma organização que alberga mais de sessenta jovens empreendedores que operam nas diferentes áreas no país.

Revelou a repórter que a formalização de uma empresa chega a custar um valor de meio milhão de Francos CFA.  Para ativista, esse facto é o primeiro fator que desencoraja um jovem que pretende montar um negócio.

“Esse valor é demasiado alto para um jovem empreendedor que apenas está no início de implementar o seu negócio. Qual é o saldo que poderá ter para que esse jovem possa pagar o imposto, o arrendamento ou para adquirir matérias-primas e seguir a produção”, questionou.

A responsável de JEDEL-GB apelou ao governo no sentido de reduzir as taxas de formalização de empresas e o pagamento de impostos, para evitar que as atividades do empreendedorismo não sejam encaradas a sério por quem quer que seja: o que precisamos “é ter jovens empreendedores profissionais e capazes de empregar outros jovens e diminuir o desemprego juvenil”.

Perante a dura realidade de altas taxas cobradas para a formalização de empresas e dos impostos, Gomes recordou que o governo tinha prometido que reduziria essas taxas, como também os empreendedores teriam um cartão que lhes isentasse de tudo que são taxas excessivas.

No entendimento da ativista guineense, a diminuição das taxas poderá contribuir no aumento de número de empreendedores na Guiné-Bissau e poderá contribuir efetivamente no crescimento económico do país. Porém, disse esperar que na prática todas as promessas do governo feitas aos jovens empreendedores, em particular a da diminuição das taxas, sejam respeitadas.

A responsável da organização dos empreendedores guineenses defendeu a necessidade de haver uma linha de crédito ou uma política de promoção de empreendedorismo por parte do governo. Contou que existem muitos jovens com iniciativas, mas que precisam de apoios para desenvolver as suas atividades.

Criticou ainda a falta de confiança dos bancos comerciais nosjovens empreendedores, tendo lembrado que a sua organização entregou ao Banco Central dos Estados da África Ocidental (BCEAO) uma proposta da linha de crédito que permitiria que osempreendedores conseguissem crédito para a implementação dos seus negócios.

Relativamente aos bancos comerciais, explicou que pediram aos bancos que reduzissem para valores simbólicos as taxas demanutenção de contas bancárias, especialmente para os empreendedores.

Sobre o assunto, revelou que o Banco Da União (BDU) foi a instituição que implementou uma conta especial para empreendedores e que a sua manutenção não é superior a dois mil Francos CFA.

Maura Gomes pediu mais união no seio dos empreendedores para que juntos possam mitigar os grandes riscos que o impacto da pandemia do novo coronavírus (Covid-19) está a causar na economia nacional, também insistiu em apelar ao governo, ao BCEAO, aos bancos comerciais e demais instituições a apoiar os jovens empreendedores.

Por: Djamila da Silva