DR. JULIÃO SOARES SOUSA – “Mais vale prevenir do que remediar”. Reflexões em torno da Guiné-Bissau e do Covid-19.

Muito se tem escrito e falado nos últimos dias sobre as medidas que as autoridades guineenses têm estado a tomar de prevenção contra o coronavirus. Neste exercício temos notado os reflexos da crispação e decomposição que se tem assistido na sociedade guineense por causa da política. Colocando à margem a legitimidade ou ilegitimidade de algumas destas intervenções partimos do pressuposto de que deve haver um mínimo de bom senso e de decência em qualquer intervenção em momentos tão importantes como a de uma epidemia que ameaça destruturar a humanidade como nunca se viu e que neste preciso momento já está às portas do nosso país (a Guiné-Bissau).
E mais do que isso! O momento, de per si, apesar da novidade que encerra este surto em termos clínicos, impõe-nos o sentido de responsabilidade e o dever de darmos a nossa modesta contribuição com ideias, comparando a situação presente a situações mais ou menos parecidas que ocorreram no passado de modo a proteger o nosso país, as nossas populações e, por conseguinte, a própria humanidade, se possível com um mínimo de perda de vidas humanas.
O momento é de criação de sinergias, de unidade e coesão internas, de cerrar fileiras como se fóssemos um único corpo, única fórmula que encontro neste momento para ultrapassarmos o caos que se aproxima como comunidade verdadeiramente nacional. Insisto! Este assunto do Covid-19 não deve ser politizado.
Nem dentro da Guiné-Bissau, e muito menos fora da nossa terra. Deve unir todos: os que estão dentro da nossa terra e os que estão fora da nossa terra. Por isso entendo que o momento não é para aproveitamentos políticos de um desastre que se anuncia, numa atitude que considero de egoismo atroz, sobretudo quando em causa está a proteção e a defesa dos nossos irmãos, familiares e amigos, do nosso próprio país.
Em suma, a nossa própria proteção. Quem pensar o contrário, estará enganado. Talvez amanhã se venha arrepender. O momento é pois, de unidade e apoio total as medidas que estão a ser implementadas desde o início do corrente ano com a criação de uma equipa na Direção Geral de Epidemiologia e Segurança
Sanitária e que foram agravadas nas últimas semanas com o encerramento das fronteiras e respetiva vigilância, cancelamento de voos, proibição de aglomerações de pessoas, o encerramento de bares e de discotecas. Claro que estas medidas são dolorosas para alguns (ou todos os) sectores da nossa frágil economia, mas são absolutamente essenciais associadas a outras (campanhas relativamente aos comportamentos de riscos que estão a ser levados a cabo). Já vimos, no passado e nas mesmas circunstâncias, medidas mais duras.
Lembro-me nesta altura do pequeno comércio que vai ser seriamente afetado com a imposição de outras medidas ainda mais gravosas. Podemos discordar da oportunidade de algumas destas medidas uma vez que não são ainda conhecidos, de facto, casos declarados nas vizinhanças das nossas fronteiras terrestres nem no nosso país. Mas ninguém, em pleno juízo, poderá discordar da sua justeza, até tendo em conta a velocidade de propagação das epidemias num mundo cada vez mais dinâmico e onde impera grande mobilidade de seres humanos e a rapidez com que se viaja. E não é preciso que haja casos para se tomarem medidas robustas de modo a minimizar as consequências. Não é preciso correr atrás do prejuízo.
A capacidade de atuação das autoridades de um país mede-se pela reação preventiva através de respostas políticas e sociais que possam minimizar os impactos e as consequências humanas e socioeconómicas.
Ainda assim, apesar de tudo, é praticamente impossível criar um cordão sanitário que impeça a entrada do vírus no nosso país ou que isso venha a ter grandes implicações socioeconómicas.
Estaríamos a ser românticos se pensássemos deste modo. Creio que todos temos essa consciência.
A questão aqui é retardar este processo e reduzir, tanto quanto for possível, o número de infectados no caso do surto entrar no nosso país. A avaliar pela sua evolução nos países vizinhos (Senegal, Gâmbia e Guiné-Conakri) e em Portugal (situações que devem continuar a ser monitorizadas pelas nossas autoridades) senão acontecer nada de extraordinário é possível que nas próximas semanas o Covid-19 chegue ao nosso país. Lembro que a proximidade da época das chuvas poderá vir a dificultar a ação das autoridades para o seu controlo. Portanto, vigilância máxima nas nossas fronteiras terrestres e aéreas. Naquelas, só devem circular veículos transportando mercadorias ou produtos essenciais ao nosso mercado interno.
Ainda assim, os motoristas e seus ajudantes devem ser sujeitos a apertadas medidas de controlo sanitário. Muita atenção também aos núcleos populacionais fronteiriços e às dificuldades de ligações com algumas localidades, bem como aos navios provenientes de zonas atingidas pelo surto que devem sujeitar-se,igualmente, a fortes medidas de controlo sanitário antes de atracarem nos nossos portos.
É preciso limitar e despersuadir também ao máximo a circulação marítima de pessoas vindas dos países vizinhos. A limitação da circulação terrestre pode incentivar a circulação de pessoas por via marítima. É uma tarefa hercúlea e até difícil, mas é preciso fazer alguma coisa e ir criando condições de diagnóstico da doença nos núcleos populacionais mais importantes, enquanto houver tempo para isso, evitando assim a centralidade de Bissau. A extrema pobreza e a desnutrição de importantes segmentos da nossa população poderá vir a contribuir, como ocorreu no passado, para extrema vulnerabilidade ao surto.
Lembro que no século XIX e XX, a maioria dos surtos epidémicos (pestes, febre amarela, influenza espanhola) e doenças parasitárias (ancilostomíase, leishmaniose, amibíase) com os quais o nosso país se confrontou foram importados dos países vizinhos (Senegal, Guiné Conakri e até da Serra Leoa).
Por isso, não me admiraria que a história se voltasse a repetir, restando-nos a nossa histórica capacidade de resiliência e a preparação para eventos semelhantes no futuro. Infelizmente, se se olhar para atrás, e sobretudo para a tendência do surgimento de pandemias nos últimos anos, ninguém teria dúvidas de que situações dessas vão ocorrer com maior frequência e com um nível de letalidade, infelizmente, cada vez maior.
É por isso que, nas circunstâncias atuais e futuras, mais valerá a pena “prevenir do que remediar”.
Julião Soares Sousa