Alta Comissária, Magda Robalo: “SIMÃO MENDES NÃO É UM HOSPITAL PREPARADO PARA A MEDICINA MODERNA”

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A Alta Comissária para combate a coronavírus (Covid-19), Magda Robalo Nely Silva, disse que o maior problema do hospital nacional Simão Mendes é que não está preparado para a medicina moderna, por isso o rácio da capacidade de produção e da utilização dos equipamentos disponibilizados naquele estabelecimento hospitalar é negativo. Acrescentou que, por exemplo, o hospital não tem rampas de oxigénio colocadas nas camas dos pacientes e os técnicos são obrigados a arrastar botijas.

A médica que dirige o Alto Comissariado para Covid-19, uma estrutura criada para lutar e combater a pandemia do novo coronavírus, fez esta observação em uma entrevista conjunta concedida ao semanário O Democrata e à Rádio Capital FM, para falar das estratégias delineadas para travar a propagação da doença e das providências tomadas para proteger da infeção os técnicos que estão na linha de frente no combate a Covid-19.

Explicou, na entrevista, que atualmente a Guiné-Bissau tem cerca de 70 ventiladores, entre os doados e os comprados, tendo assegurado que a maior dificuldade que o alto comissariado enfrenta tem a ver com os recursos humanos. “O país tem pouca gente com experiência na utilização de ventiladores em doentes com problemas respiratórios”.

“É verdade que nós recebemos do ministério das Finanças 500 milhões de Francos CFA no mês de junho ou julho. Deste montante, 300 milhões de Francos CFA foram essencialmente destinados para o pagamento de subsídios aos técnicos de saúde e o restante para as atividades que o Comissariado entendesse serem necessárias implementar”, disse para de seguida avançar que já entregaram um novo orçamento ao Ministério das Finanças estimado entre 700 a 800 milhões de Francos CFA, que deverá cobrir os salários, os subsídios e as despesas das atividades programadas.

O Democrata (OD): A Senhora dirige o Alto Comissariado há dois meses, uma estrutura formada por médicos especialistas, para substituir a Comissão Interministerial no combate para estancar o contágio e a propagação da Covid-19. O número de pessoas infetadas aumenta cada dia e o de óbitos subiu para mais de 30 pessoas. A que se deve a essa propagação?

Magda Nely Robalo Silva (MR): O Alto Comissariado tem quatro objetivos definidos a saber: o primeiro é reduzir a transmissão da infeção pelo vírus que causa a Covid-19, o segundo é reduzir a mortalidade por coronavírus na Guiné-Bissau, o terceiro é reforçar o sistema de saúde e o quatro é reduzir o impacto negativo desta crise sanitária causada pela pandemia do novo coronavírus a nível social e económico. Concluímos também que, para realizar estes quatros objetivos estratégicos precisávamos, entre outros aspetos, conhecer a dinâmica da pandemia. E precisávamos perceber o que se estava a passar em relação à evolução da covid-19…

Dissemos ainda que o principal fator de sucesso para o nosso trabalho era resgatar a confiança da população. Como se sabe, a população guineense tem dúvidas relativamente a existência da doença na Guiné-Bissau e tem dúvidas sobre a eficácia das medidas de prevenção. Nós também dissemos que era importante, para o sucesso do Alto Comissariado na sua luta contra a pandemia, estabelecer uma única linha do comando.

Apesar de o Alto Comissariado ter sido instalado há dois meses,continua a haver um aumento do número de casos e de mortes. O que daria a impressão que o Alto Comissariado falhou na sua missão, mas quero dizer que era inevitável que continuasse a haver um aumento do número de casos, porque a criação do Alto Comissariado é uma medida administrativa ou institucional que depois precisa ser executada antes que os resultados possam começar a ser vistos…

Lembro que no dia anterior ao da criação do Alto Comissariado, isto é, no dia 4 de junho, havia mais de mil casos ativos. Era impossível que no final do julho ou agosto, que a propagação da infeção e a mortalidade parassem. O que posso dizer é que nós trabalhamos imenso para conseguir perceber a dinâmica da pandemia. Hoje temos um conhecimento da evolução do número de casos e de mortes, da distribuição etária, da distribuição geográfica e dos principais sintomas, bem como do tempo que as pessoas levam internadas ou até morrerem. Essas são informações que nós não tínhamos antes. Isso permite-nos saber onde atuar e estamos a atuar. Em termos de evolução, o número de novos casos tem diminuído nas últimas quatro ou seis semanas. Nós temos estado com números de casos por semana entre os 50 e 60.

Prevemos que vamos continuar a registar um aumento de número de casos e de mortes, mas o aumento já não será tão acentuado como antes. Portanto, o fato de continuarmos a ter um aumento de número de casos e de mortes não pode ser interpretado como sinal de falha no processo de luta contra a pandemia. Não queremos que haja mais casos nem mais mortes, é nisso que estamos a trabalhar.

OD: Para chegar a esta fase, o que foi preciso fazer?

MR: Foi preciso que conseguíssemos ir até a última pessoa infetada e evitar que essa pessoa passasse a infeção a outras pessoas. Significa que todos devemos trabalhar na prevenção. Vou realçar alguns exemplos do progresso que tivemos com os trabalhos de prevenção e que tiveram impacto. Por exemplo, houve uma altura em que tínhamos 271 casos por semana e chegávamos a ter mais de 300 casos por semana. Desde a semana epidemiológica 25, começamos a registar uma redução em termos de infeção e na semana 27 tivemos 135 casos positivos e depois baixou para 110 casos por semana. Desde esta altura nunca mais tivemos uma centena de casos positivos por semana. Para nós é ainda só um progresso muito precário e não devemos deitar foguetes.

Mas significa que vamos ter cada vez menos número de casos de pessoas infetadas, mas para a doença acabar, o número de novos casos tem de ser zero. Nós temos que chegar ao ponto em que não tenhamos nenhum caso novo positivo e depois manter essa situação, e isso implica também que no resto do mundo tenha zero novos casos.

A semana epidemiológica 27, onde tivemos um pico de 135 casos positivos foi a última semana do mês de junho. Fomos nomeados na semana epidemiológica 23 e na semana 24 tivemos 121 novos casos, depois tivemos 41, 97, 135. E na semana 29, já no mês de julho, tivemos de 24 a 29. Eram cinco semanas de trabalho. Agora estamos na semana 34, portanto são no total 10 semanas de trabalho.

OD: Alto Comissariado definiu quatro objetivos na sua luta para travar a propagação da infeção, como também erradicá-la da Guiné-Bissau. Dos objetivos mencionados, com qual o Alto Comissariado se sente mais confortável …

MR: É o primeiro, que é naturalmente o objetivo de reduzir a transmissão da doença. É essa a nossa missão principal…

OD: A redução da infeção nas últimas semanas deixa o Alto Comissariado mais à vontade?

MR: Sim estamos mais confortáveis do que estávamos há dez semanas, mas é um conforto precário e frágil, porque há muito trabalho ainda para ser feito…

OD: O Alto Comissariado tem algum plano estratégico para estancar a propagação da pandemia, sobretudo na capital Bissau, tido como o epicentro da covid-19?

MR: Temos sim. Estancar a pandemia não é só o nosso objetivo, o nosso objetivo é prevenir que não aconteça nas regiões aquilo que acontece em Bissau. Queremos evitar que as regiões conheçam dramas que aconteceram em Bissau, por isso as nossas estratégias para evitar isso são capacitar os técnicos de saúde e formá-los em diferentes áreas. Há muitas formações para fazer, porque muitos técnicos ainda não apreenderam a vestir e a despir o material de proteção.

Nós compramos uma grande quantidade de equipamentos para pôr à disposição dos técnicos e neste momento estamos a enviar equipamentos para todos os hospitais regionais para que possam assistir os doentes graves. Aumentamos a capacidade de fazer testes, quando nós começamos os testes só se faziam em Bissau. Já se fazem testes há duas semanas na cidade de Buba, em Bafatá, em Gabú, em Mansoa e em Canchungo. Nós descentralizamos a capacidade laboratorial de testar e o mais importante é um aspeto que esteve a faltar durante todo este combate: a comunicação e a mobilização da população.

Começamos ontem (quinta-feira, 27 de agosto) uma formação para 300 líderes tradicionais e religiosos para que a população se possa apropriar dos conhecimentos de combate à Covid-19. Estão dizer-nos: nós não sabíamos que era assim; não sabíamosque a transmissão era assim; não sabíamos o porquê é que era importante usar a máscara. Fizemos a mesma formação para as forças de segurança, Polícias da Ordem Pública e elementos da Guarda Nacional. Promovemos uma formação em Bissau e estamos a fazê-lo agora no interior para capacitá-los sobre como abordar o cidadão em tempo de Covid-19.

OD: A nível das regiões há uma estrutura que trabalha com o Alto Comissariado?

MR: Estamos a trabalhar através das estruturas do ministério da Saúde Pública e nas regiões com as delegacias regionais de saúde e com os COES regionais, que são as estruturas presididas pelos governadores regionais e os vice-presidentes são os diretores regionais da saúde. Não vamos dizer que iremos ter sucesso a 100 por cento, mas estamos a trabalhar no sentido de evitar uma catástrofe regional a todos os níveis.

OD: Desde o início da pandemia em março deste ano, a Guiné-Bissau tem recebido vários apoios materiais e financeiros para a prevenção e combate a doença. O que é que o Alto Comissariado recebeu do ministério de Saúde e como estão a ser distribuídos esses donativos?

MR: Nós recebemos vários apoios de organismos internacionais e das agências e países amigos da Guiné-Bissau, assim como recebemos apoios de pessoas coletivas e individuais, tanto nacionais como estrangeiras. As ajudas variam entre financiamento, equipamentos, materiais, crédito para telefone, tempos de antena nas rádios e na televisão como responsabilidade social dos órgãos da comunicação social,concentradores de oxigénio, ventiladores, produtos de limpeza…É verdade que não é suficiente, mas a boa gestão tem-nos permitido satisfazer as necessidades mínimas.

Nós ainda não conseguimos ter o suficiente para todas as estruturas do país e para satisfazer as necessidades reais, mas temos agido por prioridades. Temos tido também apoios em termos de assistência técnica, como consultores e peritos que chegam ao país para ajudar, não só na formação como também na montagem de equipamentos, porque não temos pessoas com capacidade e experiência para montá-los.

OD: O governo fez um esforço para recuperar a fábrica do oxigénio do hospital Simão Mendes que produz nove garrafas do oxigénio por dia. Atualmente, queixa-se da insuficiência do oxigénio no hospital Simão Mendes. O Alto Comissário tem algum plano para que o centro da Covid-19 se torne independente da fábrica.

MR: O problema do hospital Simão Mendes é que não é um hospital preparado para a medicina moderna. O hospital Simão Mendes não tem rampas de oxigénio colocadas nas camas dos pacientes e para movimentar as botijas de oxigénio os técnicos são obrigados a arrastá-las, esta é a primeira dificuldade. O balanço entre a capacidade de produção e a utilização é sempre negativo, porque para além da enfermaria, há também a necessidade de canalizarmos oxigénio noutros departamentos do hospital. Temos ainda a necessidade do oxigénio nas regiões. Por exemplo, eu estava a gerir uma situação de levar garrafas do oxigénio para Bafatá. E todas as outras regiões onde há hospitais regionais com pacientes graves ou que podem vir a ter pacientes graves precisam ter pelo menos uma garrafa para a primeira aflição.

Sabemos que os pacientes do coronavírus consomem bastante oxigénio, mas também há um problema de gestão e um problema de balanço entre aquilo que é prioridade. Estamos a tratar disso para evitar que haja rotura inesperada de oxigénio.

OD: Foram milhares de máscaras e equipamentos de proteção pessoais oferecidos ao país pelos parceiros no âmbito da cooperação bilateral e multilateral, mas os técnicos de saúde do hospital Nacional Simão Mendes e das regiões reclamam todos os dias da falta dos materiais. Como explica essa situação?

MR: A compra de materiais e equipamentos de proteção no exterior leva muito tempo, por isso é que tomei a decisão de fazer uma aquisição local de cerca de 360 milhões de Francos CFA de equipamentos de proteção para o pessoal de saúde, porque eu não quero que haja um técnico de saúde que se infecte porque não tem equipamento de proteção. Continuamos a distribuir e a maior dificuldade que temos, é em termos de capacidade de gestão a nível das estruturas. A nossa missão é adquirir um número elevado de equipamentos de proteção individual para distribuir a todas as unidades sanitárias do Setor Autónomo Bissau e das regiões para evitar que os nossos profissionais de saúde continuem a infetar-se por falta de equipamentos.

Isto foi uma prioridade que não foi assumida como devia ter sido e que não voltará a acontecer enquanto eu estiver a frente do Alto Comissariado. É bom realçar que os equipamentos são para todos os técnicos de saúde.

OD: Há algumas semanas houve um caso de um doente que padecia de coronavírus, e tinha vários outros sintomas e incluindo o da “oclusão intestinal” e precisava de uma intervenção cirúrgica urgente, mas no serviço do bloco do hospital Simão Mendes não estava incluída uma equipa decombate à covid-19 nem têm formação para lidar com os casos deste género. Como uma especialista em saúde, a questão do coronavírus deve ser assumida apenas por uma equipa restrita ou é necessário incluir todos os serviços do hospital?

MR: Isto é um assunto que constatei como parte de análise da situação que fiz quando cheguei ao Alto Comissariado e que me levou a investir 360 milhões de Francos CFA em equipamentos de proteção para resolver este problema. É verdade que o pouco que havia devia ter sido utilizado em prioridade pelos técnicos que estavam diretamente a gerir os doentes de Covid-19 internados. Qualquer técnico, seja ele pessoal de limpeza do hospital ou cirurgião, cada um ao seu nível precisa de um equipamento de proteção. É por isso que nós adquirimos e estamos a distribuir materiais de proteção para todo o hospital Simão Mendes e para todos os hospitais do país.

Exatamente, porque ninguém está livre, todos somos vulneráveis à infeção, por essa razão nós tivemos uma taxa de infeção de profissionais de saúde bastante elevada e que agora já diminuiu. Infelizmente não estou em condições de dar o número exato neste momento, porque ainda estou a analisar os dados. Mas vemos uma melhoria na taxa de infeção dos agentes de saúde, isto é, também um ponto positivo no trabalho que nós temos vindo a fazer para reduzir a propagação da infeção.

OD: Um dos aparelhos indispensáveis que os profissionais de saúde exigiam para o tratamento dos pacientes com coronavírus em estado crítico é o ventilador. Senhora Alta Comissária, quantos ventiladores tem a Guiné-Bissau neste momento e será que há técnicos nacionais capazes de manipulá-los?

MR: A Guiné-Bissau tem neste momento cerca de 70 ventiladores entre doados e comprados, pelo que vou rever algumas listas de compras para cortar ventiladores que possam ainda estar na lista de compras a serem feitas. O problema é que há vários tipos de ventiladores, mas essencialmente invasivos. Não temos muita gente com experiência na utilização de ventiladores em doentes com problemas respiratórias. Ventiladores invasivos não têm estado a ser utilizados devidamente e estamos a utilizar os não invasivos para tratar doentes.

Alguns profissionais já desenvolveram experiência ao longo das últimas semanas, mas é preciso capacitar os técnicos. A nível regional, deparamo-nos com o problema de eletricidade que também impede a utilização dos equipamentos. Uma parte dos donativos que estamos a gerir agora são os painéis solares. Estamos a estabelecer parcerias com os parceiros para instalá-los nos hospitais regionais, onde agora fomos instalar as máquinas para fazer diagnósticos laboratoriais, mas é preciso energiapermanente. Vamos levar os painéis solares a esses hospitais para que o diagnóstico laboratorial possa, de facto, estar disponível.

Há um conjunto de dificuldades que estão fora do sistema de saúde. Tenho aqui vários relatórios dos centros de saúde. É do conhecimento de todos que grande maioria dos nossos centros de saúde não têm água corrente. É impossível manter uma situação de higiene e de desinfeção sem água corrente, portanto estamos a trabalhar. Tem que se coletar água e ter baldes e bidões para conservá-la. No entanto, é toda uma logística que também estamos permanentemente a trabalhar para melhorar as condições de higiene nas estruturas e evitar que os utentes possam adquirir a infeção quando vão aos centros de saúde.

OD: Como estão a ser integração dos médicos cubanos que vieram apoiar a Guiné-Bissau no combate ao coronavírus e será que estão todos em Bissau ou alguns foram para as regiões?

MR: Os técnicos que vieram de Cuba para nos dar apoio estão integrados nas equipas a nível de Bissau a conhecer a nossa realidade, porque Bissau é o epicentro da nossa pandemia. Estão a acompanhar a situação e a apoiar os nossos técnicos e também a ganhar a experiência da realidade do sistema de saúde da Guiné-Bissau e, eventualmente, a medida que a situação nas regiões tiver necessidade, eles poderão ser descentralizados para as regiões.

OD: O ministro das Finanças disse numa entrevista ao nosso jornal que o governo reservou uma soma de 1,5 mil milhões de Francos CFA para o combate à Covid-19. Disse ainda que disponibilizou no passado dia 25 de junho, uma soma de 500 milhões de Francos CFA para a conta do Alto Comissariado. Esse valor entrou na conta do Alto Comissariado e foi suficiente para cobrir as despesas e pagar as dívidas aos técnicos de saúde que reclamavam o pagamento desubsídios?

MR: É verdade que recebemos do ministério das Finanças o valor de 500 milhões no mês de junho ou julho, se a memória não me trai. Desse montante, 300 milhões eram essencialmente destinados ao pagamento dos subsídios aos técnicos de saúde e o restante para as atividades que o Comissariado entendesse serem necessárias implementar. Já remetemos um relatório ao ministério das Finanças e ao governo sobre o fundo que recebemos. Sim recebemos 500 milhões que já foram utilizados e as contas já foram prestadas. Já submetemos ao ministério das Finanças, desde o dia 05 de agosto, um novo orçamento para o mês seguinte.

Ainda estamos à espera de receber financiamento para pagar os salários, os subsídios e cumprir as obrigações e planos que traçamos para continuar a luta contra a Covid-19. O orçamento está estimado entre 700 a 800 milhões de Francos CFA.

OD: A maior dificuldade do Alto Comissariado, de acordo com as informações, tem a ver com o fundo para cobrir as despesas das atividades programadas inclusive, fala-se de alguns funcionários/colaboradores que trabalham sem ordenado ou subsídios. O Alto Comissariado tem acesso ao fundo de 1.5 biliões de Francos CFA reservados pelo governo?

MR: Não! O único financiamento a que tivemos o acesso foi o de 500 milhões de francos. Uma soma de 360 milhões FCFA daquele valor foi canalizada para o pagamento de subsídios de atrasados aos profissionais de saúde que estão na linha da frente do combate ao coronavírus e que tinham subsídios de três meses (março, abril e maio) em atraso. São 120 milhões de FCFA por mês.

Os restantes 140 milhões de francos CFA foram destinados para a instalação e o funcionamento do Alto Comissariado e atividades implementamos no terreno. E para responder especificamente a sua questão, o Alto Comissariado não tem acesso ao fundo de 1.5 mil milhões de Francos CFA que o ministro das Finanças terá mencionado.

O Alto Comissariado é uma estrutura nova e temporária instituída para lutar contra a pandemia do novo coronavírus. Os dirigentes nomeados pelo decreto presidencial: Alta Comissária, coordenador adjunto e o secretário e um chefe do gabinete, um assessor jurídico, responsável dos recursos humanos, responsável de administração e finanças e um responsável para as informações estratégicas e investigação. Depois temos um contabilista e a pessoa responsável pelas compras. Temos assistentes administrativos e um auxiliar de logística.

OD: Critica-se o apelidado por alguns críticos “contrato de luxo”, concedido aos técnicos de saúde afetos à equipa da covid-19. Relata-se que o contrato é de 20 mil FCFA diários e que os técnicos do laboratório recebiam mais. Mantém-se este contrato de luxo ou há uma outra tabela apresentada pelo Alto Comissariado?

MR: Aquilo que eu constatei foi que estes subsídios não são sustentáveis, tendo em conta a nossa realidade. E aquilo que fiz foi instituir uma comissão para analisar os montantes propostos, a sua distribuição, a sua equidade e fazer propostas de revisão que possam estar em linha com aquilo que é a capacidade do Estado da Guiné-Bissau de cumprir com o engajamento de pagar subsídios de risco. Pareceu-me que a instituição dos valores que são pagos foi pouco refletida em termos da sua continuidade no tempo, porque nós não sabemos quando é que esta pandemia vai terminar. Não sabemos por quanto tempo vai ser necessário pagar estes montantes e daí que é preciso que haja uma decisão racional baseada nas nossas capacidades e sem perder de vista a necessidade de manter as pessoas motivadas, engajadas e cobrir os riscos que elas correm ao trabalhar na linha da frente, mas estes riscos podem ser geridos de outras formas mais sustentáveis e que possam permitir ao Estado honrar os seus compromissos.

Vimos que gerir estes subsídios não seria confortável em função do orçamento do Estado da Guiné-Bissau, razão pela qual decidimos estabelecer uma comissão que está neste momento a trabalhar para rever e fazer propostas de revisão dos montantes que estão alocados.

OD: Mas mantêm-se a tabela dos subsídios anterior?

MR: Mantêm-se porque foi um compromisso assumido pela anterior comissão interministerial. E estamos a cumprir e até temos uma alternativa que deverá ser negociada com os técnicos. Devo dizer também que o Alto Comissariado herdou da comissão interministerial várias situações que não foram objeto de nenhum relatório nem técnico nem financeiro e muito menos patrimonial.

O Alto Comissariado não recebeu da comissão interministerial nenhuma passassão do serviço e nenhum relatório, o que nos levou a começar de zero para funcionar e construir as bases para gerir, não só do ponto de vista técnico como financeiro e administrativo e patrimonial e ainda os recursos humanos, o que exige de nós muito trabalho. Deparamo-nos também com a falta de informações sobre acordos que foram estabelecidos no passado. Tivemos e continuamos a ter várias situações onde as pessoas às vezes não percebem e têm tendência para fazer comentários que não são abonatórios.

Estamos a trabalhar e a gerir a situação na medida do possível. Posso dizer que o Alto Comissariado ao mesmo tempo que trata de perceber a dinâmica da pandemia, sobretudo os dados epidemiológicos tratamos também de criar as bases para uma estrutura de gestão sólida e sã, não só em termos de recursos humanos e do património. Gerimos as ofertas e os financiamentos recebidos dos parceiros e do Estado para uma prestação de contas e uma utilização que permita maximizar aquilo que obtemos do financiamento recebido. É preciso pensar no futuro e pensar que isso vai durar seis, nove ou dois anos. Por isso os materiais e equipamentos recebidos têm que ser bem geridos.

OD: Alguns analistas criticam o fato de as autoridades africanas terem copiado o modelo europeu de confinamento durante a pandemia, o que não ajudou na já é débil economia. Tem algum comentário a fazer?

MR: Penso que nós assistimos isso também na Guiné-Bissau que é a principal razão para termos aquela vaga explosiva do aumento de casos. Foi devido à cópia do modelo utilizado nas outras paragens. Quando a Guiné-Bissau registou os seus primeiros casos, a Guiné-Bissau deveria saber que não tendo as estruturas hospitalares de ponta e técnicos qualificados com a experiência para a gestão de casos graves de insuficiência respiratória e da Covid-19. Não tendo ainda uma fábrica de oxigénio a funcionar, os primeiros casos deveriam ter sido isolados num ambiente hospitalar e isso iria ajudar em várias frentes e incluindo na percepção das populações sobre aquilo que é a Covid-19.

Se no início tivéssemos levado as pessoas para hospital durante os 14 dias ou até que os testes fossem negativos, teríamos diminuído a possibilidade de propagar a infeção, porque as pessoas não tinham condições de estarem confinadas em casa. As pessoas tinham que estar em isolamento e sob vigilância médica 24 horas para evitar que propagassem a infeção para outras pessoas. Isso foi um erro devido ao fato do que, por exemplo, em Portugal, como ouvi muita gente a dizer, que os assintomáticos estão em casa, mas as condições não são as mesmas…

Segundo foi o impacto da comunicação. Ouvíamos mensagens do tipo “fiquem em casa”. Na Europa ou nos Estados Unidos se calhar as pessoas podem ficar em casa, mas na Guiné-Bissau é um bocado diferente. Era necessário explicar o porquê é que deviam limitar as saídas à rua e se não fosse possível limitar, quais seriam as outras medidas necessárias. Do ponto de vista da comunicação era preciso trabalhar a comunicação tendo em conta as nossas realidades culturais.

A formação que ministramos para os líderes religiosos e tradicionais é exatamente para adotá-los de ferramentas e medidas de prevenção que se adequem a nossa realidade cultural, sobretudo perceber a preocupação que a população tem que impede de adotar as medidas e encontrar as alternativas para isso. Tivemos reuniões com os imames, régulos, evangélicos, católicos falamos disso tudo. Falamos também com os curandeiros e balobeiros disseram-nos claramente que não estão envolvidos na luta contra a Covid-19. Outra dificuldade registada é a falta do sigilo profissional da parte dos técnicos da saúde na gestão do resultado positivo das pessoas.

OD: Dra. Magda recomendaria o fim de estado de emergência no fim deste último decretado? 

MR: O estado de emergência é uma decisão técnica, política, cultural e social, sobretudo o exercício também da comunicação. Já aconselhamos o governo a aliviar várias medidas de restrição das liberdades e garantias, por exemplo, o recolher obrigatório, levantou-se agora cerca sanitária. Embora o risco de piorar a situação nas regiões se mantenha ou vai agravar-se, porque o fluxo de pessoas e a saída de Bissau vai continuar, mas também temos que ter em conta a dimensão económica da pandemia.

As pessoas, depois de cinco meses, precisam poder retomar um pouco as suas atividades e que infelizmente não encontram da parte do governo uma compensação que lhes permitisse aliviar a falta do rendimento consentido nos últimos cinco meses. Pensamos que é possível levantar o estado de emergência, mas continuar a aumentar as medidas de prevenção em termo de utilização de máscaras corretamente, distanciamento físico, lavagem das mãos, etc…

Hoje podemos seguir a situação e se repararmos que a situação está a piorar, vamos fechar mediamente e voltamos atrás, como aconteceu em vários países. É importante fazer o seguimento para ver se vai haver ou não um disparo. Ainda não estamos livres de ver um pico, mas pensamos que podemos levantar o estado de emergência.

Quero deixar uma mensagem que o Alto Comissariado gostaria que toda a população guineense aderisse ao objetivo de estancar a progressão da pandemia na Guiné-Bissau e para isso, precisamos aceitar que cada um deve fazer a sua parte, caso contrário não vamos conseguir!

Foi dito muito lá fora e cá dentro que era preciso esquecer as lutas políticas para nos concentrarmos no combate a Covid-19. Essa foi uma das razões que me fizeram aceitar o desafio de vir assumir esta responsabilidade. Eu sabia que não ia ser fácil. Não está a ser fácil, mas não tenho nenhum problema em enfrentar essas dificuldades. É preciso que, de fato, se ponham as disputas políticas de lado e que haja boa-fé, colaboração e uma maior coordenação para que de facto, o Alto Comissariado possa fazer o seu trabalho. Evitemos politizar o trabalho do Alto Comissariado para ganhos políticos que em nada abonam no sentido de ajudar a Guiné-Bissau a sair desta crise.

Por: Assana Sambú