100 ANOS DE VIDA: DSP FAZ HOMENAGEM À MÃE

O amor incondicional atravessa séculos e hoje Domingos Simões Pereira rende homenagens à sua mãe que completa um século de vida e inunda toda a família de alegria.
Uma mensagem de agradecimento e reconhecimento.

Юбилей (iubilei)

A Tatanha, minha mãe, mãe do Donis, do Ciro, do Tiago e do Note, avó do Hussein e da Tânia, do Epy, do Edson, da Ita, da Dé e do Antosha, do Ni, Samir, Dadá, do Ivan e do Jú, a tia da Ndumbé, Abulaye, Pipi, Djoni, Djoquim, Ina e Nené, Tata da Gina, do Ensá, da Pumpa e da Simone, a Tata de todas as noras, dos amigos dos filhos que são filhos, dos amigos dos netos que são netos, dos velhos e jovens de Cacheu, Farim, Bolama, Olossato, Bafata-Oio, Farandinto e Bissum Naga, que são todos família, completa hoje 100 anos de vida.

Mais que um simples aniversário, este é um “iubilei” (fui emprestar ao russo). Esperamos tanto por este dia imaginando formatos para uma verdadeira homenagem à nossa heroína mãe Vitoriana Monteiro.

Eu sonhei muitas vezes com uma festa em todos esses sítios, de nascença, de “criação”, terra da mãe e do pai, do casamento e da vida. Pensei nisso, porque todos seriam convidados, os pais balantas e as mães manjacas, os Oincas e mandingas que receberam e ofereceram terra até chegar aos cristãos de Bolama e Bissau com quem cresceu e conviveu.

Mas não lamento que seja diferente, para a mãe, há muito que a festa é todos os dias, ao acordar e reconhecer os seus, poder respirar e sorrir, não ter muita dor nem muito sofrimento, sendo bónus, não ter muita dor nem muito sofrimento.

Por isso, aposto que nesta ocasião, ninguém irá pedir mais anos de vida, mas simplesmente, que siga iluminando cada momento que partilhar, seja connosco, seja com quem preencher a sua existência naquele momento.

E é por isso que esta dedicatória, para chegar à bisavó, avó, mãe e tia, para chegar à Tatanha, é dirigida a todas as mães, africanas e guineenses. Aquelas que ainda hoje se levantam antes do raiar do sol, e só se deitam quando todos já adormecidos; as que, todos os dias, seja de trabalho seja de descanso, têm de manter a casa limpa e arrumada, pôr comida na mesa, manter a todos asseados com a roupa lavada, passada e arranjada. Aquelas que escondem tão bem a sua varinha mágica, que nos esquecemos que são humanos e têm limites.

Estando a mãe presente, tudo se arranja, tudo se compõe.

Uma mulher que nos ensinou tudo e soube resistir a tudo, à perda de todos os bens num único dia, porque a administração assim decidiu na altura e, de seguida ter o marido preso pela PIDE em lugar incerto; o desaparecimento dos dois primeiros filhos de forma violenta e inesperada, e outras, várias contrariedades da vida.

Mas a Tatanha sempre teve um sentido de relação muito refinado, sendo a primeira a se apresentar como coitada porque não a ensinaram (lamentando o analfabetismo), que a permitiu colocar a felicidade sempre numa condição imaterial e superior.

Nunca a vi reclamar nenhuma propriedade, de qualquer natureza, e isso hoje me faz lembrar um episódio, que na altura eu injustamente admiti que fosse falta de coragem. A Guiné vivia momentos de penúria e as famílias tinham muita dificuldade.

Em casa, preparava-se para um casamento e os familiares chegavam com pequenas doações para ajudar nos preparativos. O nosso quintal, bem isolado, estava cheio de galinhas, e de outros pequenos animais. Nisto, aparece uma vizinha do Bairro, conhecida por ser muito problemática, a reclamar que suas duas galinhas tinham se misturado com as nossas.

Uma tia, que tinha vindo nesse quadro, conhecendo a atitude da minha mãe, adianta-se logo e faz saber à Senhora que dali não iria levar nem uma pena. A Tata acompanhou a discussão e só tratou de acalmar as partes e fechar o assunto.

Mas, nessa tarde, quando tudo já estava esquecido de todos, me manda apanhar duas galinhas para levar, só que uma para a senhora e a outra para a sua vizinha do lado. Os meus olhos terão denunciado a minha surpresa, ao que ela tranquilizou – “é para a festa. Ou cozinhamos para as servir, ou podemos dar para elas prepararem”.

Ela de verdade, viveu para os filhos que pôs neste mundo. Dizemos a brincar, que a sua alma é o Camilo (o seu Ciro), enquanto que a alma do papá era o Bartolomeu (o Note); a da nossa madrasta Meta era o Tiago e, portanto, nós dois, eu e o Dionísio, dizíamos disputar o que restava.

Mas tudo era mesmo a brincar, por que eu sabia bem ter a atenção e a proteção de todos, como ainda tenho e ainda sinto, e como certamente saberá e sentirá o Dionísio, tal como sentiram e sentem todos os netos sem exceção.

E esta é uma dádiva de uma mulher, que foi sempre a mãe de todos.

Com o nosso sentimento de modernidade e rigor, às vezes protestávamos porque os víveres dela (enquanto viveu afastada) se esgotavam antes do tempo previsto.

É claro que sabíamos, que todas as manhãs ela fazia comida extra, para os familiares e amigos que vinham do interior (sobretudo de Cacheu e Farim) para tratar de algum assunto. Insurgindo contra o mau exemplo que isso podia dar, se mal-aproveitado, ela me respondeu numa ocasião, que eu não era melhor que ninguém, mas que tinha simplesmente sido um escolhido, para ajudar a distribuir o que Deus coloca no mundo.

Pensando nesses momentos, vou dando conta de como a mãe na sua consciência introspetiva tenta corrigir os males que testemunhou de um mundo que ela sabe não ser totalmente justo.

Então esta é uma homenagem que, mais que adiada, é uma promessa renovada, dedicada a todas as mães e a todas as mulheres dos espaços que vamos partilhando, nesta nossa passagem e convivência terrena, de celebrar com pequenos gestos e pequenas ações, a nossa determinação de corrigir o que está ao nosso redor e depender de nós, neste mundo ainda assimétrico e longe do equilíbrio e da perfeição.

Parabéns Tata. Feliz 10 de maio.