Os rebeldes de Casamança ameaçaram hoje entrar na Guiné-Bissau se sofrerem ataques das tropas senegalesas a partir de território guineense, acusando as autoridades de Bissau de se terem aliado ao Senegal contra a região independentista.
“O ocupante estrangeiro senegalês resolveu nas últimas semanas assinar um acordo com as novas autoridades da Guiné-Bissau para utilizar o seu território e atacar as bases da resistência“, acusou, em comunicado, o comando do Movimento das Forças Democráticas de Casamança (MFDC).
A tomada de posição surge depois de, na quarta-feira, os independentistas de Casamança terem acusado o exército do Senegal de, após anos de trégua, estar a reavivar o conflito na região ao lançar uma nova ofensiva militar na semana passada.
“A ala combatente do MFDC avisa que qualquer agressão do exército senegalês a partir da república-irmã da Guiné-Bissau, será considerada, nem mais nem menos, como uma declaração de guerra contra Casamança“, advertiram.
Para o Movimento das Forças Democráticas de Casamança, a existência de tais ataques concederia aos rebeldes legitimidade para perseguir “soldados senegaleses, onde quer que se encontrem, até ao interior da Guiné-Bissau.
Segundo a imprensa senegalesa, desde 26 de janeiro que se ouvem tiros na zona de Ziguinchor, a principal cidade da região de Casamança, numa zona próxima da fronteira com a Guiné-Bissau.
Contactados pela AFP, habitantes de aldeias na Guiné-Bissau, como Bergolen, Nhalom e Papia, afirmaram ter ouvido, na quarta-feira, fortes explosões vindas do lado senegalês da fronteira, onde os rebeldes mantêm as suas bases na floresta.
“Estamos a operar no setor florestal de Bilass contra grupos armados“, disse um alto funcionário militar à agência France-Presse no final de janeiro, falando sob condição de anonimato.
O objetivo destas operações é “acompanhar e proteger a população para que esta possa levar a cabo as suas atividades tranquilamente“, disse, acrescentando que os militares estão, “ao mesmo tempo, a lutar contra o tráfico ilegal de madeira e cânhamo indiano”.
Os rebeldes do Movimento das Forças Democráticas de Casamança (MFDC) são acusados de envolvimento nesses tráficos, acrescentou.
Mais de uma semana após o início da operação, o exército não divulgou qualquer balanço, no entanto, um dos seus líderes negou ter perdido três soldados, como alegou o MFDC.
O movimento rebelde, por seu lado, acusou Dacar de ter “desencadeado novamente a guerra em Casamança” numa mensagem publicada no seu `site` de notícias, Le Pays.
“Não haverá compromisso com aqueles que ateiam fogo e derramam sangue em Casamança“, advertiu o movimento.
Mas no terreno, um combatente do MFDC contactado por telefone a partir de Bissau relatou uma situação difícil.
“Os soldados senegaleses têm vindo a bombardear-nos há dois dias sem descanso. Na quarta-feira de manhã, a força aérea entrou na batalha. Estamos a ser bombardeados por um helicóptero e um avião”, disse. Estas alegações não puderam ser confirmadas por fontes independentes.
A calma vivida na região nos últimos anos fez com que as pessoas regressassem às suas aldeias, abandonadas por causa dos anteriores combates entre o exército e o MFDC, que há quase 40 anos trava uma guerra pela independência desta região, limitada a sul pela Guiné-Bissau e a norte pela Gâmbia.
O exército anunciou a 28 de janeiro, em comunicado, a sua intenção de “neutralizar os elementos armados que se refugiaram” em Casamança e aí estão a levar a cabo “abusos contra a população“.
Casamança já tinha experimentado um ressurgimento da violência no início de 2018 com o massacre de 14 homens que tinham ido buscar madeira perto de Ziguinchor. O exército tinha então prendido cerca de 20 suspeitos, que ainda estão à espera de julgamento.
As conversações de paz, tornadas ainda mais difíceis pelas divisões internas do MFDC, foram relançadas após a chegada ao poder do Presidente Macky Sall em 2012.
Mas não resultaram num acordo para pôr fim a um conflito que já causou milhares de vítimas civis e militares, devastou a economia e forçou muitas pessoas a fugir da região.
Casamança, uma faixa de território no sul do Senegal próxima da fronteira norte da Guiné-Bissau, foi trocada por Portugal com a França no século XVII, passando a integrar o Senegal, após a independência desta antiga colónia francesa, em 1960.
A integração é contestada pelos rebeldes – estimados entre 4.000 e 5.000 – que há 40 anos reclamam a independência de uma das regiões com mais recursos do país, considerada o “celeiro” do Senegal e com reservas de petróleo `offshore` ainda inexploradas, mas que os independentistas consideram ter sido marginalizada em matéria de desenvolvimento. LUSA