PRESIDENCIAIS 2019: “A maioria dos políticos não tem ideia do país económico, fala nas nuvens”

Seja qual for o futuro económico da Guiné-Bissau depois destas eleições será “muito difícil”, mas todos os analistas concordam que sem estabilidade política será ainda pior.

A instabilidade política, o tráfico de droga que degradou a imagem externa da Guiné-Bissau, a dificuldade de circulação dentro do país e a falta de garantias para o investimento mantêm os empresários estrangeiros longe de um país que tem potencial, nomeadamente na área do turismo, e que segue sem o aproveitar.

“A crise política concorre, sobretudo, para afastar o investimento externo. Mas com crise política ou sem crise política, ninguém investe num país onde as acessibilidades são inexistentes e não há condições mínimas para garantir a segurança dos investimentos”, diz ao PÚBLICO Julião Soares Sousa, historiador e analista político guineense.

“A estabilidade política é fundamental”, afirma o investigador, a questão é se um país como a Guiné-Bissau, “mergulhado há décadas em sistemáticas crises, é capaz de fazer a catarse e inverter essa tendência de uma ‘guerra civil’ não declarada ou de guerra de todos contra todos”.

Para Carlos Lopes, professor guineense da The Nelson Mandela School of Public Governance, da Universidade da Cidade do Cabo, o futuro da Guiné-Bissau será “muito difícil” e o que “sair das eleições pode criar uma imagem favorável ou piorar ainda mais o cansaço internacional” em relação ao país.

“Muitos guineenses gostam de falar de soberania, esquecendo-se que somos a 52.ª economia de 54 em África – só São Tomé e Comores, com populações menores que Bissau, têm economias mais pequenas. O desafio da transformação do país é gigantesco. A maioria dos políticos não tem ideia do país económico, fala nas nuvens”, explica Carlos Lopes, que fez toda a sua carreira na ONU e chegou a ser conselheiro político do secretário-geral Kofi Annan.

É, por isso, que o economista Fernando Jorge Cardoso, especialista em assuntos africanos, não tenha dúvidas que o país não tem capacidade para desenvolver a sua economia a curto prazo, mesmo que das eleições deste domingo saia uma estabilidade que não houve durante o mandato de José Mário Vaz na Presidência: “O país vive de ajuda externa, para investir ou mesmo pagar despesas correntes. A prazo poderá haver investimentos se a situação se mantiver estável durante uma legislatura”.

E a estabilidade é mesmo a palavra fundamental. Como lembra Carlos Sangreman, especialista em cooperação, com muitas missões nos PALOP e profundo conhecedor da situação guineense. “A crise 2014-2019 foi o factor que impediu o país de aproveitar os meios que a comunidade internacional lhe colocou à disposição em 2014, na mesa redonda de Bruxelas, com base no plano de desenvolvimento Terra Ranka (para o país arrancar)”, refere.

“Mesmo assim, houve avanços em estradas, energia eléctrica, sistema fiscal, segurança, etc., mas nada do que poderia ter sido feito com os fundos disponibilizados”, acrescenta Sangreman, que pertence à direcção do CESA – Centro de Estudos sobre África e Desenvolvimento do ISEG. Mas “foi como um carro potente que andou a 40 à hora quando tinha condições para andar a 200”.

De acordo com o FMI, o PIB da Guiné-Bissau cresceu 3,8% em 2018 e poderá crescer 5% em 2019 e 2020, números que deixam transparecer melhor saúde do que a economia guineense realmente tem. “O que importa é que 85% da população vive abaixo do limiar da pobreza e o país no seu todo tenha um PIB pífio de menos de dois mil milhões de dólares para uma população de 1,4 milhões de pessoas, ou seja menos de uma semana do PIB da Nigéria, ou, se quisermos, menos de metade do PIB dos Açores que tem apenas 248 mil almas”, explica Carlos Lopes.

Muito dependente da castanha-de-caju, que representa mais de 80% em valor das exportações do país, a Guiné-Bissau, como outros “países africanos que vivem da grande dependência de um produto não transformado”, também se viu a braços com os preços em queda desse produto no mercado mundial. Algo que o FMI avisava que podia ter impacto nas previsões de crescimento económico guineense este ano. E daqui para a frente a situação será ainda mais problemática.

“Muitos países africanos estão rendidos a esse negócio e a Guiné-Bissau já perdeu o seu lugar privilegiado de grande fornecedor”, explica Carlos Lopes. “A concorrência é grande e, claro, os preços baixam. No futuro será pior, o que deixa condescendente os que ouve ouvem alguns candidatos prometer preços ainda maiores ao produtor. Um absurdo.”