Campo hortícola de Granja Pessubé: MULHERES HORTICULTORAS LUTAM PELA SOBREVIVÊNCIA, SEM APOIOS DE PROJETOS “MÃO NA LAMA” NEM DO GOVERNO

10/11/2019 / OdemocrataGB / No comments

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[REPORTAGEM outubro_2019] Dezenas de mulheres de diferentes bairros da capital Bissau que praticam a atividade hortícola no campo de Granja Pessubé lutam diariamente pela sobrevivência das suas famílias através dos produtos hortícolas que vendem nos mercados e reclamam que sentem-se sozinhas e abandonadas, sem quaisquer apoio significativo  nem das autoridades nem de outras entidades no que concerne a crédito  de bancos comerciais para dinamizarem as suas atividades, de forma a poderem adquirir materiais e sementes que as permitam produzir em bastante  quantidade para abastecer o mercado nacional. 

Lamentaram igualmente na entrevista à repórter do semanário O Democrata, que o Chefe de Estado, José Mário Vaz, promove atividade agrícola um pouco por todo o país, mas infelizmente as mulheres que trabalham no campo hortícola de Granja Pessubé não estão contempladas nos projetos de “Mão na Lama”, muito menos recebem alguma ajuda do executivo. Acrescentam ainda que os apoios que recebem de algumas entidades são insuficientes para o número de mulheres que trabalham naquela localidade, por isso clamam pelo apoio do executivo de forma coordenada com as diferentes associações de mulheres que trabalham no campo hortícola de Granja de Pessubé.

MULHERES CONTRATAM JOVENS PARA LIMPEZA DOS CAMPOS E CONSTRUÇÕES DE VIVEIROS

Uma equipa de repórteres do semanário O Democrata visitou no fim-de-semana o campo hortícola da Granja de Pessubé, com o intuito de inteirar-se das atividades levadas ao cabo pelas mulheres que alí lutam diariamente para garantir a sua sobrevivência, através do cultivo de produtos hortícolas que levam aos diferentes mercados da capital Bissau. 

A Granja de Pessubé que se localiza entre o bairro de Luanda e uma parte do bairro de Míssira é constituída por pequenas várzeas aproveitadas pelas mulheres para o cultivo dos seus produtos hortícolas. No passado cada horticultora ocupava parte do terreno para cultivar certa quantidade do produto para a sua alimentação, mas com o tempo resolveu-se organizar-se em associações a fim de mobilizar fundos (créditos) junto de instituições bancárias. 

O campo hortícola da Granja de Pessubé está dividido em dois perímetros:  “Perímetro 1° e Perímetro 2°”, cultivados por centenas das mulheres e mais um homem agrupados em duas associações: Associação “Assin ki Mundo – Assim vai o Mundo” constituída por 58 associadas (mulheres), que ocupa o Perímetro 1° que tem 11 hectares e a Associação Ajuda Mútua de Luta contra Fome, que tem mais de 300 associados e conta apenas com um homem que trabalham no Perímetro 2° e conta com 08 (oito) hectares.   

O Democrata apurou que a maioria das mulheres que trabalha no campo hortícola de Granja de Pessubé contrata individualmente jovens para limpar a sua parcela do terreno, bem como para a construção dos diques e dos seus viveiros. Para os trabalhos de limpeza de “ervas daninhas” pagam 2.500 (dois mil e quinhentos) francos cfa. 

Os jovens contratados para levantar os diques e viveiros cobram pelo serviço o valor de 3.000 (três mil) francos cfa. Algumas mulheres levam seus filhos ou sobrinhos para limparem os seus campos bem como para as construções de diques e dos viveiros, evitando assim contratar os jovens e utilizando o dinheiro para a compra de sementes ou materiais de trabalhos.  

Bernardo Sampa, único homem que faz parte da Associação de Ajuda Mútua para a Luta contra Fome, explicou a repórter que trabalhava para uma senhora já falecida na produção hortícola, mas depois do falecimento da sua patroa dividiu o terreno com os filhos da malograda e a partir dali começou a produzir para si os mesmo produtos hortícolas para vender no mercado para garantir a sobrevivência e a educação dos próprios filhos. Informou que raramente recebem apoios das autoridades ou de outras entidades, como também desconhece eventuais visitas das autoridades guineenses ligadas ao setor agrícola em solidariedade ou apoio aos produtores que trabalham naquele campo.

“TRABALHAMOS PARA A NOSSA SOBREVIVÊNCIA, MAS SEM NENHUM APOIO DAS AUTORIDADES”

O presidente da Associação “Assim Ki Mundu – Assim vai o Mundo” que agrupa essencialmente as mulheres horticultoras que trabalham no Perímetro 1 da Granja de Pessubé, Teresa Alves Carvalho, explicou na entrevista que a produção hortícola que fazem não é suficiente para garantir a sobrevivência e cobrir as despesas para a educação e cuidados de saúde das suas famílias, pelo que algumas apostam na compra e venda de bebidas alcoólicas doces (licores) em casa, a fim de poderem pagar os estudos e cobrir as despesas de saúde dos seus filhos. 

Outra razão que, de acordo com a responsável da associação, leva algumas mulheres a recorrerem as diversas atividades geradoras de rendimentos, tem a ver com o tempo que os produtos hortícolas levam da germinação até a fase da colheita. Acrescentou que esta é uma das razões que faz algumas mulheres optar pela venda de outros produtos para cobrir as suas despesas.  

Teresa Alves Carvalho, mãe de oito filhos, vive em casa herdada do seu pai, assegurou que diariamente gasta cerca de três mil francos cfa em alimentação. Contou ainda que os seus filhos frequentam a escola pública e apenas o seu filho mais novo (cassulo) é que está inscrito na escola privada, onde paga cinco mil francos cfa mensais.  

Frisou que muitas vezes consegue lucros da venda dos seus produtos a um bom preço, mas afiançou que a maior dificuldade que as vezes enfrentam tem a ver com a falta de meios para a conservação dos mesmos quando não conseguem vendê-los no mercado. Sustentou que sofrem grandes prejuízos neste sentido, porque infelizmente não têm como fazer para resolver a questão de conservação dos produtos. 

Explicou ainda que nos meses de dezembro, janeiro e setembro é o período em que fazem mais dinheiro, tendo em conta a difícil produção de legumes nesses meses e o vazio deixado é coberto pelas mulheres no campo através do sistema de irrigação ou por meio dos poços construídos no campo.  

“Neste período, eu consigo fazer seis mil francos cfa por ‘bacia’ de alface vendido às outras mulheres no mercado, mas isso é no início da colheita. Isto é, no mês de dezembro e janeiro, porque é muito raro em relação ao mês de março. Em cada três canteiros consigo 20.000 (vinte mil) francos cfa ou mais”, espelhou para de seguida revelar que no período da produção levanta-se todos os dias a partir das seis horas de manhã para ir trabalhar no campo a semelhança de várias outras mulheres que também exercem a mesma atividade.

Denunciou ainda que são assaltadas e roubadas por jovens gatunos que procuram refugiu na Granja Pessubé para fumar o canábis. Enfatizou, por ser uma zona isolada, essa rapaziada frequenta aquele lugar para o consumo de canábis, como também aproveita para assaltar os campos e pela madrugada ou a noite assaltam mulheres que trabalham no campo ou pessoas que passam naquela zona.   

Informou que os seus associados produzem diferentes tipos de legumes, designadamente: a cenoura, couve, repolho, alface, nabo, tomate, beringela, djagatu, salsa, candja entre outros.

Contou neste particular que a sua organização conta com 58 mulheres (associadas) e que ocupam uma área de 1,5 hectar para a produção hortícola.  E que cada membro da associação tem o seu próprio espaço para cultivar diversas variedades de legumes.  

Questionada se não recebem apoios das autoridades ou de outras entidades, explicou que a sua organização recebia de vez em quando apoios de alguns projetos e Organização Não Governamentais que atuam no domínio agrícola, recebiam catanas, regadores, sementes, entre outros utensílios para suas atividades. Lamentou, no entanto, que há dois anos não recebem nenhum apoio por parte das organizações parceiras. 

“Atualmente cada mulher compra sementes em diferentes pontos comerciais do país, que muitas vezes são velhas e acabam por não germinar. Prejudicando assim as produtoras hortícolas financeiramente bem como fisicamente, dado que são obrigadas a comprar de novo e as vezes a reorganizar o campo. Trabalhamos para a nossa sobrevivência, mas não recebemos apoios. O campo hortícola não tem vedação e é inseguro. Sofremos roubos constantes dos nossos produtos, assaltos, e danificam quase todo o nosso trabalho, devido à falta de vedação”, notou a responsável da Associação “Assim ki Mundo.

O Democrata soube que as mulheres do perímetro 1º, trabalham com água proveniente do furo feito pelo executivo guineense através do ministério de Agricultura, contudo lamenta que o sistema instalado de moto-bomba funcione a corrente eléctrica (pública), pelo que quando não há corrente pública são obrigadas a apanhar água dos poços individuais.

“Compramos a maioria dos materiais do trabalho, porque os que recebemos não são suficientes e por isso cada um compra o seu material para o trabalho. O Presidente incentivou a agricultura com o seu slogan “Mão na Lama”, mas nós aqui não beneficiamos dos projetos daquela iniciativa do Chefe de Estado, José Mário Vaz e muito menos de outros projetos do governo, pelo que sentimo-nos abandonadas e deixadas a nossa sorte.  

CÂMARA MUNICIPAL ABANDONA O MERCADO-VERDE A SORTE DE GATUNOS

Teresa Alves Carvalho foi também a responsável do mercado-verde construído para a venda dos produtos hortícolas produzidos em toda a Granja Pessubé, disse que atualmente o mercado é mais frequentado por mulheres vendedeiras dos diferentes pontos da capital Bissau, que de manhã cedinho vão aquele mercado para a compra dos produtos e depois revendê-los nos principais mercados da capital. 

O mercado-verde que se encontra no portão principal da Granja Pessubé foi inaugurado a menos de dez anos, mas a infraestrutura encontra-se neste momento degradado, sobretudo as casas de banho estão praticamente abandonadas. O mercado está sem água também os cacifos (boutiques) construídos para a venda de produtos não estão acabados bem como os cabos elétricos são cortados o que dificulta o fornecimento da corrente eléctrica.  

Explicou que no início à Câmara Municipal de Bissau fez algumas diligências em divisão dos cacifos, com o propósito de fazer o mercado funcionar, mas acabou por desistir e deixar o mercado num estado de abandono.

“Já tentei várias vezes com diferentes direções da Câmara Municipal de Bissau fazer funcionar o mercado, mas nada. Temos aqui um centro de conservação, mas que não funciona, porque não há aparelhos, se o centro funcionasse evitaria muitas mulheres a ir até Senegal a procura de tomates, cenouras entre outros. O de repolho que produzimos, se for conservado não teríamos que ir ao Senegal e nem sentiríamos falta no mês de setembro”, lamentou. 

SWISSAID APOIA MULHERES DE ASSOCIAÇÃO AJUDA MÚTUA NA LUTA CONTRA FOME

A vice-presidente da Associação Ajuda Mútua na Luta contra a Fome, que reúne mais de 300 mulheres horticultoras, disse à repórter que as suas associadas ocupam o Perímetro 2 do campo hortícola da Granja de Pessubé. 

Adelina Delgado, lamentou na entrevista a falta de água com que se deparam para irrigar os seus campos. Avançou que havia uma electrobomba, mas que avariou há muito tempo. E que o problema técnico da electrobomba afeta muito a produção das suas associadas, que são obrigadas a perder muito tempo na procura de água nos poços cavados no campo.  

“Cada ano recebemos apoios em sementes, mas que também é muito pouco e é dividido para um determinado número de pessoas esse ano e assim sucessivamente, de acordo com os números dos materiais ou sementes oferecidos”, assegurou para de seguida, acrescentar que a sua organização é afiliada na Associação das Mulheres de Atividade Económica (AMAE), mas disse que atualmente não beneficiam de nada  da parte daquela organização das mulheres que exercem actividades económicas. 

A horticultora acredita que a falta de apoio da parte de AMAE deve-se em parte à crise política que assolou o país nos últimos anos. Explicou que a organização atualmente conta apenas com o apoio da Fundação Suíça de Cooperação para o Desenvolvimento (SWISSAID). 

Sublinhou que o rendimento obtido da venda dos produtos não são muitos, mas confessa que ajuda em garantir a sobrevivência diária dos seus filhos bem como consegue pagar a renda da casa no valor de 30.000 Francos CFA através da venda dos produtos hortícolas.  

Adelina Delgado, mãe de quatro filhos, com o marido desempregado desde a guerra civil de 1998, garante a sobrevivência da sua família por meio do trabalho que faz no campo, mas afirma que depara-se com dificuldades para pagar a escola dos seus filhos por causa do encargo familiar.  

AMAE LAMENTA FALTA DE FUNDOS PARA APOIAR MULHERES HORTICULTORAS

A presidente da Associação das Mulheres de Atividade Económica (AMAE), Antónia Adama Djaló, disse na entrevista a’O Democrata, que  a sua organização recebia muitas ofertas dos fundos de investimento em termos de empréstimos, o que contribuiu muito nas atividades económicas das mulheres, mas hoje beneficiam pouco destes empréstimos, fato que no seu entender, reflecte-se negativamente sobre as mulheres que exercem atividades geradoras de rendimento económico em particular as mulheres horticultoras.

A organização conta com oito mil mulheres inscritas de acordo com os dados da ONU Mulher divulgados em 2015, bem como 254 associações afiliadas em todo o território nacional e trabalha com diversas organizações não governamentais e instituições financeiras.

A responsável da associação lembrou na entrevista que algumas instituições de fundos de investimentos que dantes as contactavam, atualmente não funcionam praticamente, sobretudo a Fundação Guineense para o Desenvolvimento Empresarial e Industrial (FUNDEI). 

Esclareceu que a organização que dirige faz apenas advocacia junto dos parceiros para os seus membros, mas são os parceiros que estabelecem regras e critérios tanto para empréstimos assim como para ofertas e apoios. 

“Cada associação afiliada na nossa organização, elabora o seu próprio projeto e concorre ao empréstimo. Os projetos são todos avaliados pelos parceiros ou financiadores”, vincou a presidente da AMAE, que entretanto, lamentou que a crise política que assolou o país três anos reflectiu negativamente na vida da sua organização, porque conforme diz “afetou os negócios dos seus membros, dado que muitas mulheres que conseguiram empréstimos estão com dificuldades em pagar, devido ao fraco rendimento”.

Relativamente aos créditos concedidos pelos bancos comerciais aos seus membros, explicou que os Bancos têm   particularidades em termos de empréstimos, ou seja, condicionam a concessão de empréstimo à apresentação de um imóvel como garantia e aquelas que não tiverem têm sempre dificuldades em conseguir empréstimo. 

Assegurou que atualmente apenas dois bancos fazem empréstimos às mulheres, mas também concedem apenas às mulheres da atividade pesqueiras. Sendo que estas conseguem facilmente cumprir com os critérios e devolver o dinheiro.

“Por exemplo no Banco da União temos um crédito denominado “Djafal” onde apenas as mulheres da atividade pesqueira estão a beneficiar. O pagamento vai a dois anos ou menos, de acordo com os montantes e alguns critérios acordados com cada beneficiaria ou grupo de mulheres.

Para conseguir o crédito neste banco, a interessada deve entrar com um valor de um milhão de francos cfa (mínimo) como fundo de garantia para conseguir dois milhões de francos cfa”, refere.

Recordou ainda que o Banco ECOBAKC faz também empréstimos às mulheres, mas a curto prazo. Adiantou que o ECOBANK concede empréstimo através do grupo, em que um grupo pode ser constituído por cinco ou mais mulheres de forma a permitir um pagamento fácil.

Antónia Adama Djaló exerce a atividade geradora de rendimento económico no setor de pesca e na comercialização da castanha de caju há mais de 27 anos, contou que o setor de pescas exige mais investimento, mas também consegue-se obter com mais facilidade rendimentos em relação às que exercem a atividade hortícolas.

Explicou que quando recebem fundos fazem um pequeno projeto para a distribuição de créditos, de acordo com os critérios dos parceiros doadores. Apesar das dificuldades para a advocacia em termos de créditos, Adama Djaló disse ter esperanças de que as coisas vão melhorar, tendo em conta as garantias do governo através do Ministério da Coesão Social.  

GOVERNO RECONHECE ESFORÇOS DAS MULHERES NA PRODUÇÃO HORTÍCULA E FLORICULTURA

Contactada pelo Jornal O Democrata para abordar as dificuldades lamentadas pelas mulheres horticultoras, a ministra da Agricultura e das Florestas, Nelvina Barreto, disse durante a entrevista que o executivo está consciente da produtividade das mulheres hortícolas e floricultura por todo o país. Reconheceu ainda que estas mulheres fazem grandes esforços, contudo diz estar igualmente consciente das dificuldades em água para a irrigação e dificuldades em segurança, para si e seus produtos, tendo em conta que em vários debates as mulheres sempre têm referido a falta de água, bem como da vedação dos espaços e utensílios para melhor fazerem as suas atividades.

 “Estamos cientes destes desafios e estamos a trabalhar”, afirmou a governante, para de seguida assegurar que o seu ministério tem uma visão integrada sobre o apoio a dar-lhes, no qual foi aprovado um projeto da iniciativa do governo em colaboração com o Banco Africano do Desenvolvimento (BAD) no sentido de apoiar e melhorar a capacidade de produção. Frisou ainda que o apoio estender-se-á à formação de mulheres, oferta de instrumentos e financiamentos de que as mulheres hortícolas tanto precisam. 

Contou que perspectivam o início do projeto de autonomização da mulher em janeiro do 2020, através do qual vão tentar organizar os componentes necessários a fim de melhorarem as capacidades de conhecimento, de intervenção, de produção e de gestão dos negócios das mulheres que atuam no domínio agrícola.

Relativamente à questão ligada a microcrédito, Nelvina Barreto, explicou que estão a ser trabalhadas em como podem optimizar as ações que já estão a ser executadas por outras instituições parceiras sobre a poupança e microcrédito.

“Vamos ver como é que estas iniciativas de poupança e crédito, nomeadamente caixas de resiliência que foram formadas. Vamos ver como podemos transformar isso tirando lições naquilo que correu mal nas ações passadas e transformar isso num movimento catalisador que vai organizar uma caixa maior em que as mulheres podem vir buscar crédito e trabalhar e depois reembolsá-los a uma taxa de juro aceitável” explicou a governante. 

Por: Epifânia Mendonça

Foto: E.M