Opinião: A DIFERENÇA É QUE O DSP DO PAIGC TEM SOFT POWER A SEU FAVOR

22/08/2019 / OdemocrataGB / No comments

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A profunda crise política dos últimos 4 anos, oriunda do PAIGC, produziu a nível da agremiação da estrela negra consequências monumentais, das quais a mais séria foi a articulação e fundação daquele que é hoje o principal rival político dos libertadores. Além de outras sequelas cuja cicatrização levará muito tempo, a afirmação do Madem-G15 consubstancia-se como o principal efeito da administração partidária do presidente do PAIGC. É possível um paralelismo da abordagem do atual líder do PAIGC e as não muito consensuais atitudes de Amílcar Cabral em 1964, nos corredores do Congresso de Cassaca. Entretanto, o contexto era mais favorável a Amílcar para a extinção de “ervas daninhas”. Eram ervas daninhas mesmo? Talvez em outro momento a gente explora esse possível debate. Voltemos a 2019.

Como quase sempre, aliás, como sempre, as crises dos independentistas são globalmente sintomáticas, e a última, cuja origem é Cacheu, abalou todos os órgãos da soberania: poder judicial, poder legislativo e poder executivo.

O mais importante, caro leitor do Jornal O Democrata, para a presente análise, no entanto, é que a referida crise cujas chagas não estão ainda completamente saradas, sensibilizou praticamente todas as franjas sociais guineenses. Jovens, adultos, crianças, mulheres, letrados, iletrados, intelectuais, imigrantes e emigrantes, todos especularam, opinaram ou especulam e opinam sobre o assunto, ainda que em alguns casos não diretamente.

Na esteira dessa disputa política, de dois blocos, tendência que aliás se confirmaria nas primeiras articulações pós-eleições legislativas, a persuasão da opinião pública era importante. Afinal das contas não se tratava de uma disputa de coerção e violência física, e sim de compra de mentes e corações. E isso devia ser concretizado nos dois planos: interno e externo. Opinião pública doméstica e opinião internacional não muito pública (mais das elites políticas internacionais), qualquer das formas, parcialmente pública. Aliás, convém que se diga que a lógica da mesma disputa continua.

Para o fazer internamente era fundamental contar com a simpatia (uma certa identificação, confiança e feedback) da imprensa – a mídia (formal e informal), os formadores de opinião (analistas e críticos da política). Realço, em todos os conflitos, quer meramente políticos como militares, a influência desses atores é importantíssima. Eles podem influenciar não só a opinião pública nacional e os demais atores internos organizados (públicos e privados) como também influenciar a percepção e até a elaboração das agendas de intermediação dos interlocutores e organizações internacionais estatais e não estatais.

Joseph Nye foi quem cunhou o termo soft power (poder brando, em português). No seu texto intitulado Soft Power: the means to success in world politics, escrito nos finais da década de 1980, ele disse que soft power reside na capacidade de atrair e convencer. O poder brando ou soft power, conforme o cientista político estadunidense, sugere a atratividade e o convencimento do discurso, cultura, ideais políticos, identidades, informações. O oposto de Soft power, segundo Nye, é hard power, significa, resumidamente, uma política baseada em coerção ou força, a qual se nutre geralmente do poderio militar e econômico.

Nye fala de soft power a nível das relações internacionais, nas quais os Estados buscam promover e tirar proveitos nacionais. Mas aqui eu argumento que o soft power se desenvolve, antes de mais, no tabuleiro político doméstico e o caso da Guiné-Bissau revela isso.

O líder do PAIGC revela-se como atual ator político individual com maior capacidade de gestão, mobilização, acumulação e uso do poder brando (soft power) na Guiné-Bissau. Fora das rédeas do poder por uma legislatura, ele conseguiu resguardar elevada reputação e imagem política entre os órgãos da comunicação social, entre os comentadores e especialistas políticos nacionais e entre a opinião pública.

A retumbante vitória do PAIGC nas últimas legislativas, na capital (devido fundamentalmente a aceitação de seu líder entre os mais escolarizados), explica uma boa relação intersubjetiva e objetiva do líder do PAIGC cultivada com a camada mais escolarizada (de Bissau) – independentemente do status social e económico, as periferias de Bissau votaram em massa no “PAIGC de DSP”. Alguém provavelmente diria que, no primeiro ano da nona legislatura, criou-se um sistema para o efeito. E eu responderia perguntando: e o que se fez para seu desmantelamento? Tudo isso se inseriria na lógica de soft power. Se é verdade que os formadores de opinião não são simpáticos e justos com os adversários do PAIGC e do seu líder, eu perguntaria a razão de não o serem. E o que os adversários fizeram e estão a fazer para mudar esse cenário?

Por outro lado, poderia se dizer que ele conta com uma solidariedade internacional, especialmente ocidental, e os seus adversários não. Dai eu perguntaria o seguinte: essa solidariedade é voluntária ou espontânea? Claro que não. Há um trabalho feito para o efeito. Quer de dentro para fora ou de fora para dentro. Da Guiné-Bissau para o exterior ou vice-versa. Os articuladores nacionais nos fóruns internacionais e os formadores nacionais de opinião têm um papel importante nisso. No mundo da interdependência política e cultural exige-se a contínua construção e reconstrução de imagem política, quer coletiva como individual.

Revela-se que quem tinha e tem mais soft power venceu e é favorito. A política é um campo que admite e legitima a mobilização e controle de soft power tanto como meio quanto como fim nas relações de disputas políticas. Aliás, boa parte da própria essência da política é soft power. Quem, em pleno século XXI, subestima a dimensão soft da política está fadado a acumular derrotas e mais derrotas.

Me parece que o Madem, depois do PAIGC de Domingos Simões Pereira, é quem mais vem investindo em soft power. O PRS nunca o fez, quando percebia da importância do poder brando na política, o boi já tinha ido para o brejo. E que a APU aprenda urgentemente com os equívocos do partido idealizado pelo progenitor político de seu líder, evitando eventual sucumbimento político no porvir.

Por: Timóteo Saba M’bunde, Mestre em Ciência Política.

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